Chegar ao fim de um jogo é um momento agridoce, tem aquela satisfação de concluir uma jornada épica, mas vem sempre acompanhada de um bom vazio existencial. E é por isso que ascende ao nosso plano o: Zerei! E agora?, onde destrinchamos games recém-zerados, com foco na experiência da campanha, gameplay, impacto narrativo, e claro, o sentimento de chegar aos créditos finais.
E pra começar com chave de ouro e uma pitada surrealista, escolhi um dos jogos mais intrigantes revelados esse ano: Clair Obscur: Expedition 33. Um RPG tático francês, da Kepler Interactive, com uma proposta artística ousada, ambientado num mundo devastado onde a cada ano, uma entidade misteriosa chamada “A Pintora” apaga um número da existência. Literalmente.
Primeiro Save: 20/06/2025 – Último Save: 08/07/2025
Infelizmente, alguns adultos — cof cof eu cof cof — não são exatamente os melhores organizadores de tempo. Entre boletos, compromissos e crises existenciais ocasionais, levei uns bons dias pra concluir a jornada. Não me comparem com adolescentes que terminam RPG de 50h em um fim de semana, por favor.

GAMEPLAY: MINHA EXPERIÊNCIA
Para alguns (contando comigo), Clair Obscur: Expedition 33 já pode ser considerado forte candidato a jogo do ano — uma afirmação ousada, especialmente se lembrarmos que estamos falando de um turn-based RPG, um gênero que é praticamente um dinossauro da indústria. Embora tenha sido um pilar na era de ouro dos RPGs, hoje precisa brigar por atenção em meio a uma geração acostumada com o rápido e chocante.
Mas pra mim? Uma fã assumida do gênero, foi um deleite. Claro, meu coração já bate mais forte com títulos como XCOM, Chrono Trigger, os clássicos da era de ouro de Final Fantasy e, claro, o querido vencedor do GOTY de 2023, Baldur’s Gate III.
Expedition 33 bebe dessa fonte com estilo próprio: o combate é tático, desafiador e visualmente impactante. A mecânica de turnos aqui não é só um capricho nostálgico — ela é bem pensada, bem executada e exige atenção constante. Não dá pra jogar no automático enquanto come um lanche (testado, falhei e fiquei com o mouse cheio de ketchup).
Agora, sejamos justos: se o seu rolê não é muito voltado pra esse estilo, pode ser que o jogo não te prenda de primeira. Mesmo com uma história que se sustenta sozinha, o sistema de combate pode não ser exatamente a sua pedida. Mas se estiver aberto a experimentar algo diferente, e com uma proposta artística única, Expedition 33 é uma escolha mais que válida.
HISTÓRIA
Quando comecei a pensar em como escreveria esse texto, me peguei divagando: o quanto da história eu deveria contar? Entrego tudo de bandeja ou deixo algo pra imaginação? Depois de uma longa reunião com o conclave das vozes da minha cabeça, foi decidido o seguinte: vou dar uma geralzona da trama principal e deixar os detalhes mais densos (e o final!) pra um tópico separado, com disclaimer de SPOILER!!! bem grande, grosso e destacado.
Confesso que sou uma pessoa que não liga muito pra spoiler — pra mim, tanto faz — mas sei que tenho leitores que aprovariam uma versão mais recatada e do lar. Então, vamos de meio-termo saudável, tá?
A história de Expedition 33 se passa em uma França alternativa, em Lumière, onde o tempo e a existência são ditados por uma entidade conhecida apenas como a Pintora. Uma vez por ano no “feriado” do Gommage, essa figura misteriosa continua a apagar um número de forma decrescente — e toda pessoa com essa idade simplesmente deixa de existir. Apagada da realidade como se nunca tivesse vivido. Puf.
Começamos o jogo acompanhando a despedida de Gustave e Sofia, um casal marcado pelo iminente apagamento do número 34. Sofia, desaparece — como se nunca tivesse existido. É um soco no estômago logo de cara, que já te situa emocionalmente no tom melancólico da narrativa. Esse momento também nos mostra como essa sociedade aprendeu a lidar (ou a fingir que lida) com o ciclo de perdas, e como as Expedições surgem como uma espécie de “esperança de gaveta” — não exatamente uma solução, mas uma forma de continuar se movendo mesmo no desespero.
A partir daí, a nova Expedição 33 começa a se formar, com Gustave e seus companheiros sendo lançados em um mundo onde o tempo não só passa, ele devora. A missão deles é clara: encontrar a Pintora antes que o número 33 seja escolhido, e tentar romper esse ciclo impossível (é basicamente, um ‘bora matar essa velha’).
O jogo é construído em torno dessa corrida contra o tempo, e tudo que envolve a narrativa tem peso emocional: os diálogos, as perdas, as decisões… tudo se conecta com a ideia de que o tempo é um inimigo implacável, e a memória é uma arma tão importante quanto qualquer feitiço ou espada.
A ambientação mistura arte e ruína de uma forma única, com uma estética que parece um quadro impressionista ganhando vida. Se você curte mundos com regras próprias, onde o conceito filosófico é tão importante quanto o enredo principal, vai se sentir em casa.
PERSONAGENS
Como todo bom RPG de turno que se preze, Clair Obscur: Expedition 33 nos permite montar e alternar a equipe com os personagens jogáveis que se juntam à trama ao longo da história. No total, contamos com seis personagens jogáveis — que depois se tornam cinco… mas aí já estamos entrando no território dos spoilers, né?
Todos têm suas peculiaridades, estilos de luta e personalidade marcante, o que torna bem difícil escolher um favorito. (Mentira, Lune, você é minha preferida, sim.) O mais bacana é que o jogo realmente te faz usar todos, seja por afinidade, estratégia ou puro apego emocional. Com o desenrolar da trama, cada um deles acaba tendo seu papel na harmonia do combate — tanto nas mecânicas quanto na narrativa.
Gustave
Nosso querido engenheiro que não teve chance de virar motorista de aplicativo. É o primeiro personagem jogável e já chega com aquele ar de “irmão mais velho responsável”, o que casa perfeitamente com a história dele. O combate dele é usando uma pistola e espada, ou seja, é pau pra toda obra.
Lune
Minha personagem favorita é obviamente a cota nepobaby do jogo, filha de pesquisadores famosos, ela é quem mantém todo mundo ‘do lado de cá’ da sanidade e da missão… ou pelo menos tenta. Seu forte é a magia elemental, ou seja, me ganhou no combate com poderzinho.
Maelle
O baby do grupo. Maelle carrega uma história bem triste (mas aqui TODO MUNDO todo mundo tem depressão). Órfã desde os 3 anos por causa dos eventos do Gommage, ela tenta encontrar seu próprio caminho fora de Lumière. O combate dela bateu muito com a minha estratégia durante o jogo, então foi gostoso jogar com ela. Esgrimista e dona dos hit kills!
Sciel
Com uma das builds mais interessantes do jogo, Sciel é uma personagem que foi me conquistando aos poucos. Gostaria que sua introdução tivesse mais peso e que ela tivesse mais participação direta na história, porque o design da personagem é simplesmente incrível.
Adorei o “ready” dela antes dos combates — algo que ouvia muito, já que era figura recorrente na minha equipe. A coitada, no entanto, não tem sorte nenhuma no amor… e, nessa jornada, perdeu dois homens: Pierre e outro que não vou revelar para evitar os temidos spoilers (me identifiquei demais com ela nessa parte).
Verso
A introdução de Verso na história já chega rasgando o coração do jogador — um início bem melancólico que nos pega de surpresa. Mas ele conquista o nosso afeto rápido. É o enigmático do grupo, aquele típico personagem que carrega o ar de “sei mais do que conto”.
Tem estilo, tem presença, e um gameplay focado em ataques rápidos e críticos — perfeito pra causar aquele dano estratégico na hora certa. (Inclusive, tá em 3º no meu ranking pessoal de estilo de combate).
Se você curte jogar com foco em velocidade, reposicionamento e dano cirúrgico, vai adorar o Verso. E se curte lore profunda e cheia de camadas? Ele entrega muita especulação.
Monoco
Aii… gostar dele é um baita spoiler por si só, mas vamos tentar evitar isso aqui. O visual dele é, sem dúvida, o mais marcante do jogo, e seu papel na história… bom, só jogando mesmo pra entender.
Ele é um gestral que fala — os gestrais são criaturas que você pode colecionar ao longo do jogo pra uma missão secundária. No combate, ele não fica atrás: Monoco, no nível 3, fica com uma gradient skill (god mode). E quando você entende o que ele representa… ah, aí o amor é inevitável.Muito bem, chegou a hora de invocar o disclaimer:
⚠️ AVISO DE SPOILER ⚠️
A partir daqui, se você ainda não finalizou Clair Obscur: Expedition 33 e não quer saber dos desdobramentos finais da história, pare agora, tome uma água com gás e volte depois. Agora é a hora que o filho chora e a mãe não vê, então se for continuar… é por sua conta e risco, hein?
Agora sim. Bora falar da parte que dilacera emocionalmente e nos deixa olhando pro teto depois de desligar o jogo. O final é um tapa na cara com luva de veludo que só é bom pra quem gosta.
Começamos o jogo com a ideia de que o apagamento dos números é inevitável. A cada ciclo, um novo número é riscado da realidade — e com ele, a pessoa some do mundo e da memória de todos, exceto de quem ainda está na ativa. Isso já cria uma tensão constante e um senso de urgência melancólico, porque cada passo é feito com a sombra da aniquilação sobre os personagens.
Conforme vamos avançando, percebemos que o próprio sistema das Expedições foi forjado numa mentira. A verdade sobre o Gommage e sua origem é ainda mais chocante: não é apenas uma entidade ou maldição, mas uma manifestação simbólica e cíclica do trauma coletivo da família Dressendre (já já chegamos neles) e da recusa em quebrar um ciclo cruel (juro eu não esperava que fosse ser uma alegoria tão profunda para o luto).
Depois disso tudo — e de sofrer mais que chinelo em dia de chuva —, Expedition 33 te dá a bela (e cruel) opção de dois finais diferentes: o triste ou o depressivo, no melhor sentido possível. Essa escolha depende de com quem você joga o último trecho da campanha, e cada uma oferece uma leitura única sobre sacrifício, legado e o peso de continuar vivendo depois do fim (no final do texto eu falo qual eu escolhi e porque é o melhor final para a história, de acordo com as vozes da minha cabeça).
Antes de explicar a diferença dos dois finais, eu tenho que te dar um mega ultra spoiler que vai desenrolar toda a história e complicar ainda mais sua decisão.
O PLOT DO PLOT
Vamos começar tirando da frente uma das coisas mais fascinantes do universo de Clair Obscur: existem dois tipos de artistas — os pintores e os escritores. E eles não são só bons de criatividade, não: cada obra criada por eles carrega um pedacinho real da alma de quem a produziu, graças a uma energia chamada Chroma (sim, já vamos falar dela também). Parece poético, mas é literal — e crucial pra história.
Durante o jogo, a trama apresenta a família Dessendre, um clã renomado de pintores formado por Renoir, Aline, Cléa, Verso e Alicia. Tudo muito artístico e bonito, até que entra em cena a boa e velha, picuinha: os pintores e os escritores não se dão nem um pouco bem — e adivinha quem acaba tomando no cu? Exato, os Dessendre.
Em um dia fatídico, Alicia, a caçula da família, é enganada por um grupo de escritores. A treta termina com a mansão da família pegando fogo. No caos, Verso, o irmão do meio, morre tentando salvar Alicia, que sobrevive — mas perde um olho, a voz, e ganha uma cicatriz no rosto.
E é aqui que a vaca vai pro brejo, a tragédia vira uma ferida impossível de fechar para Aline, a matriarca da família, que não supera a perda do filho. Ver Alicia, marcada pelo incêndio, só faz o luto apertar ainda mais. E como nada é por acaso, apesar de todos da família serem pintores, Verso sempre foi mais conectado à música — e deixou apenas uma pintura, feita em parceria com as irmãs. Um mundo construído por eles, contendo o último traço da essência de Verso… Sim, meu amigo é isso mesmo que você está pensando, esse foi o início de tudo.
Com a perda do filho, Aline, devastada, busca desesperadamente uma forma de manter viva não apenas a memória de Verso, mas a própria ideia dele. Incapaz de lidar com o luto, ela encontra uma saída: entrar na pintura, no mundo criado por seu filho — e assim nasce Lumière. Não como um refúgio, mas como uma ferramenta para negar a dor, um artifício para escapar da realidade que a despedaçou.
Só que manter uma ilusão tão viva tem um preço.
É aí que entra o Chroma, a energia e força vital que permite aos pintores permanecerem dentro de suas obras. Cada número apagado na pintura representava o tempo que Aline ainda tinha antes de se perder por completo, de entregar sua própria vida à tela. A contagem regressiva silenciosa de um luto negado.Aqui, não existem vilões. Nem mesmo Renoir, o pai, que entra na pintura não para destruir ou machucar nossa equipe, mas para salvar sua esposa dela mesma. Sua motivação é profundamente humana: manter, a qualquer custo, uma família despedaçada ainda unida — mesmo que à força, mesmo que em ruínas. Mas, como tantas vezes acontece com o luto mal vivido, ele se perde, consumido por intenções nobres que descambam em tragédia.
O mesmo vale para Maelle — ou melhor, Alicia. Ao ver sua mãe afundar na dor, ela entra na tela em busca de paz, e ali encontra uma vida sem cicatrizes, sem tragédia visível, onde tudo parece mais leve. Uma existência onde talvez ela possa simplesmente ser. E assim, mesmo sabendo que é ilusão, ela tenta se agarrar a esse mundo, escolhe morrer para viver.
E aqui cabe um adendo necessário sobre Cléa, a filha mais velha da família Dessendre. De início, ela pode parecer fria, quase indiferente — mas sua frieza é resistência. É ela quem se mantém firme na realidade, o último elo com o mundo real, sustentando a esperança de que sua família, algum dia, consiga aceitar o luto e deixar ir uma vida que, no fundo, nunca chegou a existir de verdade.
ENTRE O POÇO E O ABISMO
Chegamos nela, a decisão! Escrevendo esse texto, ouvindo o dedilhar delicado de Lorien Testard (um dos músicos responsáveis pela soundtrack maravilhosa desse jogo), me pego sentindo novamente aquela incredulidade — o momento em que percebi que o final desse jogo estava inteiramente nas minhas mãos.
No último trecho da campanha, Verso encontra sua versão criança, cansada, debruçada sobre o quadro e sobre o mundo de Lumière. Quando decide finalmente descansar, é impedido por Maelle/Alicia, que deseja apenas viver sua própria realidade, mesmo que ela não seja 100% real.
Aqui separamos os adultos das crianças.
Se você escolher jogar com Maelle/Alicia (final 1 — e o mais triste), estará protegendo o mundo criado por ela e por Verso. Marcada pela tragédia tanto emocionalmente quanto fisicamente, Alicia não vê mais um lugar para si no mundo real. Seu luto não é só pela morte do irmão, mas pela própria vida, pela infância perdida, pela voz e pelo olhar tirados dela.
Sua decisão de manter a pintura pode até parecer um final feliz — afinal, todos os personagens por quem nos apegamos permanecem vivos. Mas até onde ela os levaria? Até superar o luto? Ou todos teriam que viver a eternidade presos à sua dor, com o luto sendo transferido de sua família para toda Lumière? E o próprio Verso, que mesmo após a morte, continua forçado a carregar o peso de sua própria perda por anos — até quando ele teria que ver seus entes queridos definharem apenas pela oportunidade de vê-lo mais uma vez?
Um detalhe interessante é que, no epílogo, você sente o peso da sua decisão na forma de uma culpa mesquinha — a de querer viver uma fantasia.
Agora, se você escolhe lutar com Verso (final 2 — meu final, e o certo, na minha humilde e convicta opinião), a história toma um rumo muito mais agridoce e, sinceramente, mais justo. Aqui, deixo de lado a dificuldade da batalha, porque o peso emocional é infinitamente maior do que a luta em si (sério, eu preferia que a Alicia não dissesse uma palavra durante a batalha, a dor e o medo dela de encarar a realidade é destruidor).
Inicialmente, o objetivo de Verso era salvar Aline, sua mãe, para que ela não fosse consumida pela pintura. O coitado ainda tinha esperanças de que poderia salvar todos: o povo de Lumière e sua mãe. Mas, como a vida não é um morango, a verdade vem com força: Alicia mentiu, escondeu a verdade do pai, Renoir, e também pretendia morrer dentro da ilusão.
Verso não podia mais ser o centro de tanta dor de novo, não podia mais assistir às pessoas que amava se sacrificando por uma versão dele que nunca existiu. Então, ele escolhe deixar ir, permitir que ele e o pequeno Verso, o último fragmento de sua alma — finalmente descansem.
Ao destruir a tela, apaga todos que estavam dentro dela. Mas isso permite que quem ficou no mundo real possa aceitar a morte, encarar o luto e, enfim, seguir em frente. É uma escolha difícil como jogador, porque tudo o que conhecemos do jogo é, basicamente, o que está prestes a desaparecer.
Que jogo lindo, pqp!
Considerações Finais
Infelizmente, hoje vou ter que discordar da nossa querida mother monster, Lady Gaga, e a icônica frase “I don’t wanna be French”. Os franceses finalmente entregaram uma obra de arte — além de quando queimam uns carros e tacam o terror em protestos na vida real.
Clair Obscur: Expedition 33 é simplesmente fantástico. Desde o estilo artístico até o sistema de combate afiado, passando por uma soundtrack de deixar o coração na mão e dar aquela fisgada na emoção (puta que pariu, absurda), o jogo te prende com uma ambientação impecável e uma mensagem final que bate forte. Um pacote completo de beleza, tragédia e poesia visual.
Zerei. E agora? Agora sigo tentando superar o vazio deixado por Expedition 33 — e, claro, esperando que mais gente tenha vontade de se emocionar com essa pérola do ano. Minha aposta pessoal para o Game of the Year, inclusive. Então, se você curte RPG tático com história boa, personagens memoráveis e uma estética de cair o queixo, esse aqui não é só indicado, é obrigatório!!
Mas me conta aí: você jogou Clair Obscur: Expedition 33? O que achou? Chorou? Qual foi seu combate mais difícil?
Nota: 4,9 / 5
(sou orfã de um final feliz)