Vamos falar de outro aniversariante nesse Revisitando Franquias.
Antes de Kratos carregar um menino nos ombros e resmungar “Boy” pelos reinos nórdicos, ele era o flagelo do Olimpo — o complexado Fantasma de Esparta. Um espartano movido por vingança, gritando contra os deuses e deixando um rastro de sangue e caos por onde passava. God of War, lançado em 2005 para o PlayStation 2, não apenas apresentou um dos personagens mais icônicos dos videogames, como também redefiniu o gênero hack and slash para toda uma geração.
Dono de uma careca ímpar e de uma barba egrégia de botar respeito em muito “bigode fino”, Kratos, mesmo vinte anos depois de seu primeiro jogo, ainda mantém uma legião de fãs (malucos) sobrevivendo de migalhas do universo (vulgo, a tão prometida série do Prime Video) criado por David Jaffe e desenvolvido pelo Santa Monica Studio.
Minha história com God of War
Desde pequena, carecas sempre me fascinaram — do destemido Kuririn de Dragon Ball, passando pelo maravilhoso Shrek, até chegar à divindade Dunga, um dos sete anões da Branca de Neve, protagonista do maior plot twist que minha criança interior já presenciou.
A mitologia greco-romana também sempre ocupou um lugar especial no meu coração — foi um dos pontos de partida da minha paixão pela leitura. E, claro, tudo isso acabou culminando no óbvio fascínio por um jogo que fala de vingança de um jeito que minha eu de oito anos adoraria aplicar contra seus arqui-inimigos.
Então, quando minha prima ganhou o primeiro PlayStation 2 da família, havia um jogo que simplesmente não podia faltar: o do literal careca bombado. Quando ela finalmente ligou o console e eu tive, mesmo que por mãos terceirizadas, a experiência de ver God of War em ação, foi amor à primeira lâmina do Caos.
Indicado para crianças com imaginação abrasiva? Provavelmente não. Mas tem coisas que a gente não conta pro psicólogo logo de cara.
De todo modo, foi uma experiência transcendental, bem imersiva mesmo, especialmente porque eu jogava em um quarto onde o ar-condicionado era artigo de luxo, em uma das cidades mais quentes do Pantanal. A imersão foi completa: o calor sufocante podia muito bem representar tanto a fúria do nosso querido protagonista quanto o inferno que esse coitado passou nas mãos de todos que cruzaram seu caminho. Literalmente, a pior experiência de CLT da história.

Trama de God of War
God of War (2005) começa no puro caos — Kratos, o espartano mais intrépido que já existiu (e com razão), decide enfrentar ninguém menos que Ares, o Deus da Guerra. Antes de chegar a esse ponto extremo, o jogo nos revela o peso que ele carrega: um passado de batalhas, um pacto feito em desespero e um erro irreparável. Kratos não nasceu um monstro, ele foi moldado como um. Traído pelos deuses e assombrado pelas cinzas de sua família, o “Fantasma de Esparta” é movido por um único desejo: vingança. A partir desse pacto, Kratos se torna uma arma viva, uma marionete ensanguentada, e o fio que o prende é o arrependimento.
Mas God of War nunca foi apenas sobre desmembrar monstros com um par de correntes flamejantes (embora isso seja uma delícia). A tragédia grega aqui não está apenas nas batalhas ou nos gritos raivosos (embora o homem grite como ninguém). Está no fato de que Kratos não busca glória, ele busca esquecimento. Quer silenciar as vozes, as visões, o peso de ter matado, com as próprias mãos, aqueles que mais amava. E a ironia cruel dos deuses é justamente essa: quanto mais ele luta pra se libertar, mais se prende ao ciclo de dor que eles criaram.
A vingança no jogo é quase uma religião. Ele luta contra Ares, mas também contra si mesmo e essa dualidade o transforma em um dos personagens mais complexos dos videogames. Ele é o herói e o vilão, o libertador e o carrasco, o filho ingrato e o deus traído. No fim, não há redenção — só o eco das correntes e o peso do que ele se tornou. Ares o transformou em um instrumento de destruição, mas é o próprio Kratos quem decide continuar empunhando a lâmina em um ciclo que só termina quando tudo, até os deuses, for reduzido a pó.

Do Olimpo às terras nórdicas — A evolução de homem à Deus
Depois de transformar o Monte Olimpo em um cemitério mitológico, Kratos alcança aquilo que poucos heróis (ou vilões) conseguem: o vazio. Vingança cumprida, ele se vê finalmente livre ou pelo menos é o que acreditamos. Mas o fardo da culpa não se desprende tão fácil. E é assim que God of War ressurge em 2018, completamente reinventado, como se o próprio Kratos tivesse passado por terapia intensiva e decidido tentar a paternidade como forma de redenção.
O hack and slash cinematográfico e exagerado dá lugar a um jogo introspectivo, quase meditativo, com um combate aceitável. O homem que gritava contra deuses agora ensina o filho a controlar a raiva (curando o trauma geracional). A câmera próxima, o combate mais tático, a mitologia nórdica e o ritmo emocional tornaram God of War (2018) uma aula de como modernizar uma franquia sem perder sua alma. O Kratos que conhecemos antes era o grito; o de agora é o eco.
Ainda há ódio, dor e tragédia, mas há também espaço para o silêncio, para o olhar, para o medo de ser pai — e de repetir os erros do passado. A vingança, antes combustível, agora é cicatriz.
E o que Santa Monica fez foi mais do que uma continuação, foi uma reinvenção. Um deus tentando ser humano, um jogo tentando ser arte. E, por algum milagre dos deuses (ou da direção de Cory Barlog), ambos conseguiram.

Jogos da franquia God of War
A franquia God of War é composta por nove jogos oficiais, além das versões remasterizadas lançadas para o PlayStation 3. Um ponto interessante sobre essa série é como ela realmente se espalhou por diferentes plataformas dentro do universo Sony — e, pasmem, até pelo bom e velho Java, com God of War: Betrayal, um título mobile 2D lançado em 2007.
O problema é que, com essa trajetória longa e diversificada, jogar os títulos mais antigos hoje virou quase uma missão divina. Muitos deles ficaram presos em gerações passadas, como é o caso do incrível — e ouso dizer, um dos meus favoritos — God of War: Ascension. Um jogo subestimado, mas visualmente impressionante e com um combate afiado, que infelizmente só pode ser jogado no PlayStation 3.
Sinceramente? Isso é uma grandíssima sacanagem. Papo de fazer abaixo-assinado e jogar um balde de tinta na frente da Sony até alguém se sensibilizar.
Tive a oportunidade de jogar os primeiros títulos da franquia, além dos dois lançados para PSP. Infelizmente, nunca consegui terminá-los, já que os UMDs não eram meus — e confesso que até hoje choro um pouquinho quando lembro disso. Meu grande sonho era ter a versão vermelha do console, mas acabei me contentando com o meu azulzinho, que ainda assim me trouxe horas de pura felicidade.
Quando Ascension foi lançado em 2013 e, depois de um bom tempo, chegou God of War (2018), eu simplesmente não estava preparada para o salto que a franquia deu. Fui relutante em experimentar o novo jogo, afinal, era uma série muito querida e eu já estava acostumada àquela energia explosiva dos títulos anteriores.
Mas (e sempre tem um “mas”), como alguém que adorava simplesmente desligar a mente e sair distribuindo laminadas em meio aos gritos do careca, confesso que senti falta daquela brutalidade despreocupada. O novo sistema de combate, mais tático e contido, é bom, mas acaba ficando repetitivo com o tempo. PS: O machado é incrível!

Ordem cronológica da saga God of War
1. God of War: Ascension (2013) — PlayStation 3
O início de tudo. Mostra Kratos ainda humano, antes de se tornar o Fantasma de Esparta, tentando se libertar do pacto com Ares.
2. God of War: Chains of Olympus (2008) — PSP, PS3 (Collection)
Kratos serve aos deuses e enfrenta Perséfone e Atlas. Aqui, ele começa a entender o peso de suas ações e o vazio de sua servidão.

3. God of War (2005) — PS2, PS3 (Collection), PS4 (Remaster)
Após ser traído por Ares, Kratos inicia sua jornada de vingança e se torna o novo Deus da Guerra.
4. God of War: Ghost of Sparta (2010) — PSP, PS3 (Collection)
Explora o passado de Kratos e sua relação com o irmão Deimos, trazendo uma das histórias mais emocionais da saga grega.
5. God of War: Betrayal (2007) — Celular (Java)
Um título 2D que se passa entre Ghost of Sparta e God of War II, mostrando Kratos sendo acusado injustamente de um assassinato.

6. God of War II (2007) — PS2, PS3 (Collection)
Kratos desafia o Olimpo e enfrenta Zeus, iniciando a guerra entre deuses e titãs.

7. God of War III (2010) — PS3, PS4 (Remastered)
O clímax da trilogia original. Kratos destrói o Olimpo e enfrenta Zeus em uma das batalhas mais grandiosas da história dos videogames.
8. God of War: A Call From The Wilds (2018) — Aventura em texto (Facebook Messenger)
Uma pequena história prelúdio do God of War nórdico, mostrando Atreus em suas primeiras aventuras antes do jogo principal.
9. God of War (2018) — PS4, PC (2018)
Anos após os eventos gregos, Kratos tenta recomeçar nas terras nórdicas. Um novo começo, com um novo propósito — e um filho.

10. God of War: Ragnarök (2022) — PS4, PS5
O destino bate à porta. Kratos e Atreus enfrentam o fim dos tempos e o peso das profecias.

O que esperar da série?
Com a adaptação de God of War confirmada pela Prime Video, o clima é de pura expectativa. É impossível não imaginar o que vem por aí quando pensamos em transformar uma das franquias mais cinematográficas dos games em uma série de verdade. A boa notícia é que, diferente de outras tentativas duvidosas de Hollywood, a equipe envolvida parece entender o peso do nome que carrega.
A grande dúvida é: que God of War veremos nas telas? O espartano ensandecido que grita até os deuses cansarem ou o pai introspectivo tentando ensinar o filho a controlar a raiva? Talvez a mistura dos dois seja o caminho certo. A essência de Kratos está justamente nessa transição — ele é caos e redenção ao mesmo tempo.
O potencial visual é enorme. Se a produção respeitar o nível de escala e brutalidade que o jogo sempre teve, pode entregar algo que rivalize com o que The Last of Us fez para a HBO. Ainda assim, God of War é uma história diferente: mais trágica, mais mitológica e, em certo sentido, mais humana.
O desafio será equilibrar tudo isso sem cair na armadilha de transformar Kratos em um anti-herói genérico de streaming. Ele precisa continuar sendo o que sempre foi: um homem tentando quebrar o próprio destino, com o machado em uma mão e a culpa na outra.
Considerações Finais
God of War é daquelas franquias que não envelhecem — elas evoluem. Começou como uma epopeia sanguinolenta de vingança e terminou (por enquanto) como uma reflexão sobre paternidade, culpa e o peso de ser humano. É raro ver um personagem de videogame amadurecer junto com seu público, e Kratos conseguiu isso com maestria, o que já o coloca no panteão dos grandes nomes da cultura pop.
Mesmo com suas mudanças, altos e baixos e mecânicas que nem sempre agradam os saudosistas da lâmina, a franquia continua relevante porque entende o que a move desde o início: emoção. Seja o ódio, a dor ou a tentativa desesperada de ser melhor, God of War é sobre sentir — e isso é algo que poucos jogos conseguem fazer tão bem.
Enquanto esperamos pela série e pelo futuro da franquia, uma coisa é certa: Kratos pode até ter deixado o Olimpo para trás, mas o trono dele entre os maiores personagens da história dos games continua firme e reluzente — banhado, é claro, em sangue e suor.

E vocês, meus queridos, qual é a sua lembrança mais viva com o careca mais bravo dos games?





