Em um cenário onde superpoderes muitas vezes são sinônimo de combate, destruição ou dominação, Life is Strange: True Colors ousa seguir por outro caminho: o da emoção crua, da humanidade, do olhar para dentro. E é exatamente aí que ele brilha. Alex Chen, a nova protagonista da série, talvez não consiga voltar no tempo como Max Caulfield, mas ela carrega um dom que, aos poucos, se revela a mais avassaladora das habilidades: sentir o que os outros sentem, absorver emoções, mergulhar no caos de outras almas.
Desenvolvido pela Deck Nine Games, o estúdio americano que já havia deixado sua marca em Before the Storm, True Colors é mais do que uma continuação espiritual — é um recomeço sensível e intimista, enraizado no coração das montanhas do Colorado, local que não por acaso também abriga a desenvolvedora. A geografia real se funde com a ficção em Haven Springs, uma cidadezinha charmosa e aparentemente perfeita que, como descobrimos, esconde suas próprias feridas sob um véu de tranquilidade.

Enquanto muitos classificam os jogos da franquia como simuladores de caminhada com escolhas morais, isso seria reduzir o valor narrativo de uma obra que propõe algo mais profundo. Aqui, você não joga apenas com os dedos — joga com o coração. O sistema de gameplay continua minimalista, mas é justamente esse “menos” que permite ao jogo oferecer mais humanidade, mais presença, mais contemplação. A interação com os cenários, os famosos momentos “Zen”, e a liberdade para respirar as emoções de cada personagem transformam a experiência em uma narrativa sensorial e reflexiva.
E que visual. Mesmo construído na Unreal Engine 4, assim como Life is Strange 2, True Colors entrega um salto estético importante. As cores vibrantes, os detalhes nos ambientes, as expressões faciais mais convincentes e o cuidado com a iluminação transformam cada capítulo em uma pequena pintura em movimento. O estilo artístico característico da franquia permanece, mas é como se tivesse amadurecido junto com o próprio conteúdo emocional da série.


Falando em amadurecimento, Alex é talvez a personagem mais complexa e real já apresentada em Life is Strange. Sua habilidade de empatia pode parecer sutil à primeira vista — especialmente se comparada aos poderes mais “vistosos” de Max ou dos irmãos de Life is Strange 2 —, mas se revela profundamente devastadora conforme avança. Ela literalmente sente o que os outros sentem, vê o mundo através das emoções alheias, e isso não vem sem um preço. Transtornos, traumas e sobrecarga emocional se tornam parte de sua jornada. A dor não é metafórica — ela é sentida, absorvida e, muitas vezes, difícil de suportar.
O jogo toca em temas delicados com rara elegância: empatia, trauma, julgamento, paternidade, abandono. Mostra como as emoções moldam nossa visão do mundo, como julgar alguém por sua reação imediata pode ser injusto, e como carregar o fardo da sensibilidade pode ser uma maldição tanto quanto uma dádiva. O poder de Alex reflete a condição real de muitos que sentem demais, que se doam demais, e que, por isso, esquecem de si mesmos.

Há momentos em que True Colors escorrega. Personagens secundários somem sem despedida, fios narrativos são deixados soltos, e o destino dos poderes de Alex após o clímax permanece um mistério não resolvido. Isso pode decepcionar os mais atentos aos detalhes, mas não mina a essência do que foi vivido. O coração da história pulsa forte e constante até o fim.
Tecnicamente, o jogo é um exemplo de entrega bem-feita. Nada quebrei. Nada buguei. O áudio casa perfeitamente com cada cena, os diálogos são interpretados com emoção legítima, e a ambientação sonora transforma cada esquina de Haven Springs em um convite à introspecção. É raro, em tempos de lançamentos apressados, encontrar um título com esse nível de cuidado e polimento.

Life is Strange: True Colors não reinventa a franquia — ele a reconstrói com maturidade emocional. É um jogo que entende que nem todo poder precisa ser grandioso para ser transformador. Às vezes, o simples ato de ouvir, de entender o outro, de se colocar no lugar dele, é tudo o que precisamos para mudar o mundo à nossa volta.
E se você, como eu, já sentiu que sente demais… esse jogo é para você.
Sobre o autor: Marcos Paulo I. Oliveira (MPIlhaOliveira) é web designer, apaixonado por tecnologia e gamer orgulhoso de acompanhar todas as gerações e seus grandes títulos.
Agradecemos a ele e à equipe do Game Wire pelo conteúdo e parceria!!
Uma resposta
Esse jogo é incrível, na verdade a franquia em si. Apesar de nada superar o primeiro jogo (em termos de história e gameplay, na minha opinião), True Colors tem um espaço especial em meu coração, pois trouxe de forma particular o sentimento de afinidade e certo reconhecimento de mim mesma na Alex Chen (inclusive usei por muito tempo foto dela de perfil no discord). Conheci o jogo através do meu namorado, o primeiro contato foi ver a gameplay, mas ano passado tive o prazer de jogar e foi uma experiência emocionante e incrível.
Eu amo ver todo conteúdo que fala da franquia e essa aqui é com certeza uma de minhas matérias favoritas <3